Um paraíso natural ameaçado

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Na fazenda São Francisco foram 26 quilômetros de drenos para secar quase 1 mil hectares usados para o plantio de soja e milho. (Foto: PMA-MS).

Dênes de Azevedo

 

A PMA (Polícia Militar Ambiental) anunciou na tarde desta sexta-feira, 24, a autuação do dono e de arrendatários da Fazenda Figueira, localizada no município de Jardim, em Mato Grosso do Sul. É a quinta fazenda autuada por provocar danos ambientais nas nascentes do Rio da Prata, que está entre os rios do mundo com águas mais cristalinas.

A ganancia desenfreada para a produção de grãos e bois ameaça destruir um dos paraísos da terra, a região da Serra da Bodoquena. Até agora a PMA já aplicou R$ 19,3 milhões em multas aos proprietários e arrendatários das fazendas em Jardim e Bonito, principalmente por degradações de áreas de várzeas.

Tudo começou quando gestores de atrativos turísticos localizados no município de Jardim, entre eles o Recanto Ecológico Rio da Prata e o Balneário Municipal, começaram a observar que após as chuvas as águas do rio demoravam mais tempo para voltarem a ser cristalinas. Também observaram que a cor ficava mais escura que o normal.

“A partir daí se acendeu o alerta”, conta José Luiz Dentinho, secretário de Meio Ambiente, Turismo e Cultura de Jardim. “Começamos a busca pela causa das águas do Rio da Prata estarem se tornando mais turvas a cada chuva. Acionamos as polícias militares ambientais de Jardim e Bonito e até aviões foram usados no trabalho de investigação”, afirma. E as causa apareceram e não eram naturais.

 

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Drenos levam sedimentos ao Rio da Prata, turvando suas águas nos períodos de chuvas, além de causar erosão e destruição do berçário natural. (Foto: PMA-MS).

FAZENDA SÃO FRANCISCO

No dia 16 maio a primeira revelação. A Polícia Militar Ambiental identificou e multou em R$ 13 milhões o dono da Fazenda São Francisco, localizada a 40 km de Bonito, Adolpho Mellão Cecchi, por ter construído 26 quilômetros lineares de drenos em uma área de várgea do Rio da Prata, outrora cheia de nascentes. O desmatamento da área de vegetação nativa foi feito sem licença ambiental.

A área de várgea, chamada de ‘Banhado do Rio da Prata’ tem 11.208 hectares, dos quais 7.935 no município de Jardim e 3.273 em Bonito. Na região, outra área de várgeas o ‘Banhado do Formoso’, de 2.275 hectares, está na área territorial de Bonito. O Código Florestal classifica os banhados como áreas de uso restrito, que exigem licença ambiental para a exploração comercial.

No caso da Fazenda São Francisco os drenos (valas) no banhado foram construídos na década de 1980. A fazenda apresentou declaração ambiental eletrônica de limpeza de drenos, mas na checagem da informação o tenente Diego Ferreira, comandante da PMA em Bonito, observou algo errado com as informações.

Em duas semanas de trabalho a PMA, o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) e o MPE (Ministério Público Estadual) de Bonito, com apoio de biólogos, utilizando imagens de satélites, sobrevoo de drones e aeronaves tripuladas descobriram um emaranhado de drenos ligados a outros em propriedades vizinhas e todos desaguando sedimentos no Rio da Prata. Só na São Francisco foram 26 quilômetros lineares de drenos, cuja função era secar o solo para plantações de soja e milho numa área de 993 hectares. Também houve desmatamento de 684 hectares da vegetação de várzea.

 

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Banhado, área de nascentes e olhos d`água é drenado para secar e permitir plantio ou criação de gado. (Foto: PMA-MS).

FAZENDA GRAMADO

No dia 21 de abril a PMA comprovou crimes ambientais na fazenda vizinha, chamada Gramado, localizada a 45 km da cidade de Bonito, e o proprietário foi multado em R$ 30 mil. Ele armazenava agrotóxicos fora das especificações da legislação junto com animais domésticos. Foram apreendidos 580 litros e 24 caixas de pesticidas de diversas marcas e aplicações.

Na mesma fazenda, no dia 10 de junho, a PMA autuou em R$ 50 mil o arrendatário dessa mesma fazenda, um agricultor de 34 anos, também por degradação de várzea e nascentes do Rio da Prata. Ele é acusado de construir dois quilômetros de drenos na área de várgea sem licenciamento ambiental. Alguns drenos estavam localizados em áreas de nascentes e olhos d’água, que são APP (Área de Preservação Permanente).

 

FAZENDA ARCO ÍRIS

No dia 19 de maio foi a vez do prefeito de Bonito Leonel de Lemos (PT do B), dono da Fazenda Arco Iris, ser multado em R$ 520 mil por degradação ambiental. A PMA descobriu na fazenda degradação de nascentes do Rio da Prata na área de várzea e ainda desmatamento e enterro de madeira no solo. Esse mecanismo é muito usado por fazendeiros para desmatamento irregular. São cavadas valas e enterradas as árvores numa tentativa de ludibriar a fiscalização fazendo parecer que o desmatamento é antigo.

A polícia descobriu na fazendo do prefeito, com voos panorâmicos, a degradação de uma área de 8 hectares para a criação de gado dentro de uma APP. A degradação poluiu o Córrego Turvo, o afluente, que polui o Rio da Prata. A polícia encontrou ainda embalagens de produtos agrotóxicos espalhados em vários pontos da propriedade.

 

FAZENDA BOA VISTA

No dia 3 de junho a PMA autuou a dona da fazenda Boa Vista, espólio da fazenda Aurora, localizada às margens da rodovia BR 267, no município de Bonito em R$ 3,2 milhões. Os policiais constataram a criação de gado dentro de APP dos córregos Sucuri e Barreiro. A falta de cuidados com o solo gerou erosões e assoreamento dos córregos e causou o aumento da turbidez da água do Rio da Prata. A área foi interditada e a proprietária foi notificada a apresentar plano de recuperação.

 

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Na Fazenda Figueira, as áreas de matas ciliares e nascentes estavam sendo pisoteadas pelo gado. (Foto: PMA-MS).

FAZENDA FIGUEIRA

Já nesta sexta-feira, dia 24, o dono e os arrendatários da Fazenda Figueira, um agrônomo e um agricultor foram multados. O dono, um homem de 39 anos, residente em Campo Grande, foi multado administrativamente em R$ 2,3 milhões; agrônomo em R$ 3,3 mil e o agricultor em R$ 4 mil. A fazenda fica em Jardim e está a 65 km de Bonito.

A vistoria da PMA ocorreu no dia 17 e constatou a criação de gado dentro de área de APP do córrego Sucuri, afluente do Rio da Prata. As áreas de matas ciliares e nascentes estavam sendo pisoteadas pelo gado e degradadas e havia ainda surgimento de erosões nas imediações e de margens do curso d’água.

Não foram preservadas ás áreas de matas ciliares, que nas margens do córrego deveriam ser de 30 metros e das nascentes de 50 metros. Medida em GPS, a área afetada perfez 46 hectares. Em vários trechos de preservação havia atividade de agricultura.

 

AÇÃO CONTINUA

A PMA promete manter os levantamentos nas demais propriedades suspeitas de irregularidades. São levantamentos terrestres, por imagens de satélites, fotografias e vídeos aéreos, no sentido de se levantar as ilegalidades e avaliar os danos ambientais, para a aplicação inicial das multas administrativas, que serão julgadas pelo Imasul, bem como para subsidiar a parte criminal no MPE, em possível ação civil pública para a reparação dos danos ambientais.

O caso ainda deve render muitas manchetes de jornal. “Isso não é nada. Precisa ver o que está acontecendo em Bodoquena, onde milhares de hectares de mata estão sendo derrubadas e preparadas para o plantio de soja, inclusive em fazendas de importantes políticos do Estado”, disse ao Indicador Econômico uma fonte que pediu para não ser identificada.

As intervenções nas propriedades causaram erosões e sedimentação. Os sedimentos nos canais, levados pelo fluxo das águas chegam ao Rio da Prata e turvam suas águas nos períodos chuvosos. Também houve degradação de olhos d’água e nascentes. Essa perda é para sempre, já que neste caso não há como recuperar os olhos d`água. Há ainda o agravante de que o uso de agrotóxicos nas lavouras mata espécies de peixes que vivem nos rios e atraem turistas do mundo.

Além das multas, os fazendeiros e arrendatários responderão por crime ambiental e serão processados pelo MPE, que pode ou não oferecer denúncia à Justiça Estadual. Dependendo do caso, há pena de prisão por período de um a três anos.

O Banhado é uma área de várzea de baixa declividade que desempenha papel ecológico essencial para a biodiversidade e para a economia ao filtrar sedimentos, regular o fluxo e, assim, garantir a limpidez do rio da Prata. Além disso, é habitat de várias espécies ameaçadas de extinção como cervos-do-pantanal, antas e aves migratórias.

O Rio da Prata é um dos rios da Serra da Bodoquena com águas cristalinas e rica diversidade de peixes e outros animais, que tornaram Bonito, Jardim e Bodoquena um polo de ecoturismo que recebe cerca de 200 mil turistas por ano. As águas desses rios são cristalinas por conta da presenta de calcário na região.

Para proteger os banhados do rio da Prata e Formoso, as prefeituras de Bonito e Jardim querem transformá-los em unidades de conservação, mas foram impedidas de iniciar o processo de criação por força de mandados judiciais solicitados pelos Sindicatos Rurais de ambos os municípios.

 

(Com Assessoria de Imprensa do Governo do Estado, Assessoria da PMA, Oeco.org.br, RadioWeb MS, Bonitoinforma, O Estado Online, Midiamaxnews e Correio do Estado).