
O desenvolvimento de Mato Grosso do Sul continua esbarrando em um problema antigo: a falta de mão de obra qualificada. Dados da Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul (Funtrab) apontam que o Estado encerrou o ano passado com 24.280 vagas de trabalho não preenchidas. De acordo com os especialistas ouvidos pelo Correio do Estado, as principais causas são a falta de qualificação e o desinteresse do trabalhador.
Outro ponto destacado é o alto número de pessoas que recebem benefícios sociais, tanto estaduais quanto federais. Conforme publicou o Correio do Estado no mês passado, em 2024, o Estado investiu R$ 451.186.425,57 em programas sociais, somando-se o Mais Social, o Conta de Luz Zero, o Cuidar de Quem Cuida e o Supera MS.
Segundo reportagem do jornal O Globo, ao considerar o valor total investido e a população de Mato Grosso do Sul, que é de 2.757.013 habitantes, o gasto per capita do Estado é o maior do País (R$ 163,60), superior ao de outros estados analisados, como São Paulo, Ceará e Amazonas.
Para o especialista em Gestão de Pessoas e Recrutamento Executivo Carlos Ornellas, as carências são generalizadas e impactam praticamente todos os setores produtivos do Estado.
“O setor florestal, impulsionado pela expansão da silvicultura e do processamento de celulose, ganhou relevância nos últimos anos com os investimentos realizados, e ainda em curso, no chamado Vale da Celulose, liderados por empresas como Suzano, Arauco, Eldorado e Bracell. No entanto, a escassez de mão de obra qualificada também atinge outros segmentos estratégicos, como frigoríficos, usinas de etanol de cana e milho, produção de grãos, bioenergia, construção civil, varejo, serviços, logística e transporte”.
24 mil vagas de emprego – Dados da Funtrab apontam que o Estado encerrou o ano passado com 24.280 vagas de trabalho não preenchidas.
12,3 mil pontos de trabalho – Dados do Ministério do Trabalho mostram que, no ano passado, o saldo de empregos formais, com carteira assinada, foi de 12.341 vagas, com 412.538 admissões e 400.197 demissões.
4% – Segundo o IBGE, MS registrou, no primeiro trimestre deste ano, uma taxa de desocupação de 4,0%, a quarta menor entre os estados. O que significa que o Estado está em situação de pleno emprego, quando a maior parte da população em idade adulta está ocupada.
Ainda de acordo com Ornellas, embora os dados deste ano ainda não tenham sido divulgados, a tendência é de agravamento do cenário, em função da continuidade do crescimento econômico.
“Um estudo divulgado em 2024 pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas [FGV Ibre] apontou que a ampliação dos benefícios do Bolsa Família nos últimos anos tem contribuído para a redução da busca por emprego entre grupos mais vulneráveis da população, como mulheres, jovens e trabalhadores com menor escolaridade. Com o aumento expressivo no valor médio do benefício, que praticamente triplicou em relação ao patamar pré-pandemia, observou-se um efeito direto e relevante na queda da participação laboral”.
Com um deficit de 5.858 postos, a indústria é o setor mais impactado pela falta de qualificação. “O crescimento do setor reflete-se diretamente na criação de postos de trabalho, demandando mão de obra. Hoje, o nosso principal desafio é suprir as necessidades de mão de obra para o setor, principalmente de profissionais qualificados”, reforça Kleber Luiz Recalde, presidente do Sindicato Intermunicipal da Indústria da Construção do Estado de Mato Grosso do Sul (Sinduscon-MS).
Ainda de acordo com o presidente, o sindicato criou programas de qualificação, com projetos que já estão em andamento, inclusive qualificando gratuitamente, preparando novos profissionais para o mercado.
“O sindicato desenvolveu o projeto Construindo Talentos, que visa buscar soluções por demandas por mão de obra. A mais recente ação é chamada Elas Constroem, voltada para qualificar mulheres para atuar no setor. As empresas do setor, em breve, poderão contratar os profissionais já qualificados por meio dessas ações, acessando o banco de talentos do Sinduscon-MS”, explica Recalde.
“Um dos indicadores mais objetivos e diretos do progresso econômico e social de uma cidade é a simples observação das obras em andamento na paisagem urbana. Há uma correlação muito forte entre o ritmo das construções e as transformações sociais e econômicas dos cidadãos, em parte pela geração de empregos, renda e bem-estar social”, acrescenta o presidente.
AGRONEGÓCIO
Já no setor agrícola e agroindústria, Lucas Galvan, superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Mato Grosso do Sul (Senar-MS), destaca que a necessidade de profissionais qualificados está na parte de atividades operacionais.
“As maiores demandas estão na busca por qualificação em operação de máquinas agrícolas, aplicação de defensivos, inseminação artificial, manejo de gado de corte e leite, além de competências mais recentes, como agricultura de precisão e uso de tecnologias embarcadas. Também há procura por profissionais capacitados em segurança no trabalho, especialmente nos cursos ligados às normas regulamentadoras”, detalha.
O superintendente reforça que a qualificação está também diretamente relacionada com a educação.
“Além dos cursos de formação profissional rural citados, também temos os cursos técnicos, como Agropecuária, Florestas, Agronegócio, Agricultura, Fruticultura e Zootecnia, que são alinhados às necessidades produtivas de cada região. Nosso objetivo é garantir que o setor tenha profissionais preparados para os desafios atuais e futuros”, destaca.
De acordo com o Senar-MS, neste ano, os cursos técnicos tiveram 1.248 alunos, destes, 80% já empregados após o término dos estudos. “Isso comprova que investir em educação técnica é também investir em um futuro mais promissor para Mato Grosso do Sul”, enfatiza o superintendente.
DESAFIOS
Levantamento da equipe econômica do Banco do Brasil, divulgado na Resenha Regional, apontou que Mato Grosso do Sul deve registrar o terceiro maior crescimento econômico do Brasil neste ano, com projeção de alta de 5,3% no Produto Interno Bruto (PIB). Desempenho mais que o dobro acima da média nacional, estimada em 2,5%. Porém, à medida que a economia acelera, a lacuna de profissionais qualificados se amplia.
“Considerando o setor agroindustrial, o maior desafio está em formar e reter profissionais com competências técnicas e operacionais específicas para plantas industriais de alta complexidade. A transição do campo para a indústria exige capacitação em processos automatizados, domínio de tecnologias industriais e práticas de gestão da cadeia produtiva, conhecimentos que nem sempre estão disponíveis nas regiões onde essas unidades se instalam”, detalha Ornellas.
“Além disso, a atração de lideranças qualificadas, com perfil técnico e capacidade de gestão, para localidades remotas tem se mostrado uma barreira crítica para o pleno aproveitamento do potencial agroindustrial do Estado. O desafio é duplo: desenvolver talentos localmente e atrair profissionais de fora com velocidade e escala compatíveis ao ritmo acelerado de crescimento”, conclui o especialista.
Correio do Estado